À conversa com os investigadores Mário Costa e Rui Marcelino

À conversa com os investigadores Mário Costa e Rui Marcelino

Paralelamente à docência no Instituto Politécnico da Guarda (IPG), Mário Costa coordena as investigações desenvolvidas no âmbito da comunidade científica Strong. Já o investigador Rui Marcelino desenvolve o seu trabalho no CreativeLab e lecciona no Instituto Universitário da Maia (ISMAI). Neste final de ano, importa conhecer a avaliação que fazem do trabalho realizado e como perspectivam o próximo triénio no CIDESD.

Como é que vê a área das Ciências do Desporto no panorama actual da investigação?

Mário Costa (M.C.): A investigação em Ciências do Desporto tem demonstrado um aumento do número de publicações nos últimos anos. Em termos gerais, registou-se um acréscimo de 1965 artigos em 2013 para 2718 artigos em 2016. Contudo, o acesso aos dados de investigação ainda é bastante restrito. Apenas 11% dos artigos publicados na área das Ciências do Desporto é que se apresenta em formato open access, devendo este ser um aspecto a modificar no futuro. O quadro nacional da investigação em Ciências do Desporto reflecte um interesse natural por parte da comunidade científica em acompanhar, implementar e testar mecanismos que promovam a saúde e o bem-estar da população. Este facto deveu-se, nos últimos tempos, à “colagem” da área das Ciências do Desporto com a área da Saúde em termos de financiamento, o que veio descaracterizar e/ou desviar, em alguns casos, a actividade científica de determinados investigadores. Deste modo, tem-se assistido massivamente ao delineamento de projectos que se assumem como meios de prevenção de riscos societais e que promovam estilos de vida saudáveis, deixando um pouco de parte, a meu ver, as áreas do desporto de participação (por exemplo, escola e ocupação de tempos livres) e de alto rendimento.

Rui Marcelino (R.M.): A investigação científica vive actualmente um período ambíguo. A área das Ciências do Desporto não foge à regra e, também aqui, vivemos momentos de alguma insegurança quanto à qualidade da produção científica publicada. Não será correcto utilizar a expressão de “crise”, uma vez que, por definição, esta compreende uma mudança brusca no desenvolvimento de um qualquer evento/acontecimento importante, subentendendo-se o necessário retorno aos níveis iniciais. Na verdade, temos observado mudanças graduais e progressivas, sendo dificilmente expectável o regresso aos tempos passados. Não se tratando então de uma crise, importa contudo reflectir acerca dos problemas associados à proliferação e abundância de fontes de divulgação científica (bem entendido, revistas científicas) e, também, as agendas das fontes de financiamento para investigação. Apesar de muito dificilmente se conseguir saber com exactidão os números, Philip Altlbach e Hans de Wit referiram, em 2018, que deverão existir cerca de 30.000 revistas com uma publicação anual na ordem dos 2 milhões de artigos. Pese embora algumas bases de dados ajudem na selecção dos artigos potencialmente interessantes, chega a tornar-se angustiante a tentativa (nunca conseguida) de consultar todos os trabalhos produzidos na nossa área de interesse científico. Assim, observam-se recorrentemente citações circulares (entre grupos relativamente restritos de investigadores: seja pela realização de trabalhos em parceria, seja pela utilização das redes sociais para divulgar/difundir as suas mais recentes publicações), que poderão originar omissões quanto ao conhecimento pertinente entretanto publicado (frequentemente por círculos de interesses divergentes/concorrentes). Quanto às agendas das fontes de financiamento, estas são por vezes pouco claras e assumidas; sendo noutras ocasiões excessivamente marcadas por intenções estratégico/ideológicas, que deixam pouca margem de manobra para as equipas/centros de investigação seguirem as suas linhas de investigação originais. Não sendo um cenário novo, o enorme volume de produção científica atualmente publicado obriga, contudo, a cuidados redobrados no momento da consulta sobre a mais recente evidência científica nas diversas áreas de conhecimento.

Como viu o decorrer do último projecto estratégico do CIDESD (2013-19) na sua comunidade?

M.C.: Creio que foi extremamente positivo. Passo a dissecar alguns pontos:

– a conclusão de alguns doutoramentos que culminou com a estabilização de um quadro de investigadores jovem que permite assegurar a continuidade do CIDESD no futuro e reforçar o seu posicionamento no panorama nacional;

– o fortalecimento das parcerias estratégicas de âmbito nacional (por exemplo, com Federações Desportivas) que permite uma investigação alargada num contexto maioritariamente de terreno;

– o reforço nos equipamentos disponíveis para uma investigação mais diversificada e/ou completa;

– uma gestão cuidada, coerente e justa, mas que necessita de uma reflexão ao nível dos programas que compõem a comunidade para um melhor enquadramento das tarefas executadas por cada investigador que a representa.

R.M.: As actividades das linhas de investigação dominantes do CreativeLab, que encontram reflexo nos diferentes PAC’s, afirmaram-se definitivamente no panorama internacional. Seria uma difícil tarefa enumerar as diferentes conquistas realizadas ao longo destes últimos seis anos que suportam a afirmação inicial deste comentário… Contudo, a melhor forma que encontro para suportar esta afirmação é recordar as diferentes menções elogiosas que vou ouvindo, nos congressos internacionais em que participo, a trabalhos desenvolvidos no seio do CreativeLab e aos investigadores líderes das suas linhas de investigação. É um orgulho fazer parte desta equipa. Sentir que fazemos parte de um centro de investigação que assume a dianteira nas áreas de investigação pelas quais tenho particular interesse, é um estímulo para continuar a desenvolver os trabalhos em que estou envolvido.

Em termos de investigação, quais serão as suas prioridades para o próximo triénio?

M.C.: As prioridades assentam em explorar um pouco mais as lacunas no estado da arte das diferentes actividades aquáticas. Aqui, reporto-me para a dose-resposta de diferentes métodos de treino em natação pura desportiva e/ou o entendimento da eficácia de diferentes características metodológicas no delineamento dos programas das restantes actividades aquáticas (adaptação ao meio aquático, ensino da natação e fitness aquático). Existirá, paralelamente, um óbvio interesse no desenvolvimento tecnológico e de produto para as diferentes actividades aquáticas, mantendo sempre presente o conceito de uma investigação aplicada.

R.M.: Em termos pessoais, este será um período no qual darei, por um lado, continuidade aos trabalhos iniciados no triénio transacto (alguns trabalhos estão finalizados e falta apenas publicá-los, outros estão em fase de desenvolvimento) e, por outro lado, darei visibilidade aos resultados da investigação no contexto da orientação de estudantes de doutoramento em Ciências do Desporto do ISMAI.