
06 Jul A Ciência como forja de campeões
Em contagem decrescente para os Jogos Paralímpicos 2020, há uma equipa de investigadores do CIDESD empenhada em optimizar a performance do atleta Mário Trindade, Campeão Europeu dos 100m da classe T52 e detentor da medalha de prata nos 400m, títulos conquistados em 2018 no Campeonato Europeu de Atletismo Adaptado.
Além dos treinos físicos para potenciar a sua condição física, não se descuram as áreas da psicologia desportiva ou da aerodinâmica dos seus equipamentos de competição. A 49 dias das Olimpíadas de Tóquio, o trabalho dos investigadores Eduarda Coelho, José Vilaça, Pedro Forte e Tiago Barbosa é um exemplo de como o cruzamento entre treino e investigação científica pode ser tão benéfico quanto crucial para um atleta de alta competição.
Duas décadas ajudam a compreender a cumplicidade entre o atleta paralímpico Mário Trindade e a sua treinadora Eduarda Coelho. «O contacto diário com o Mário, com toda a delegação portuguesa e até com atletas estrangeiros potencializam a minha investigação. De facto, ao nível da psicologia do desporto, já realizei recolhas de dados (perfis de estados de humor, orientações motivacionais, ansiedade pré-competitiva, adaptação do treino ao período do confinamento) que apontam para o facto de se considerar estes atletas semelhantes aos atletas de elite sem deficiência, no que diz respeito ao seu perfil psicológico», salienta.
Nos últimos cinco anos, o foco tem sido a preparação para os Jogos Paralímpicos de Tóquio. Nesta recta final, o atleta é presença diária na Pista da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) ou no Estádio Municipal de Seia, onde os treinos na pista compreendem partidas, velocidade de aceleração, velocidade máxima e resistência anaeróbia aláctica e láctica.
«O Mário Trindade realiza partidas partindo parado com a distância de 30m, 40m, 50m, 60m. Em termos de velocidade máxima, já treina cerca de 30, 40, 50m lançados (um percurso que tem de percorrer à sua velocidade máxima). Também realiza treino de rampas para treinar força e descidas para treinar supervelocidade, fazendo ainda reforço muscular com elástico e pesos livres», relata.
As corridas de velocidade em cadeira de rodas ainda são uma área deficitária em estudos científicos, o que serve de impulso para produzir trabalhos que possam responder «às dificuldades e dúvidas que vão surgindo diariamente», nomeadamente no que diz respeito à colocação do corpo do atleta na cadeira. «Realizámos avaliações cronométricas e biomecânicas sobre a melhor forma de o fazer, optimizando a sua performance», acrescenta Eduarda Coelho.
A 12 de Julho, será divulgada a lista de atletas que participarão nos Jogos Paralímpicos de Tóquio e até lá Mário Trindade continuará a treinar, porque o objectivo é «conseguir participar nos Jogos e, depois, passar à meia-final nos 100m».
José Vilaça: «Todo o treino tem que ter como base a ciência»
O treino de força entrou na rotina de Mário Trindade em Maio de 2018, altura em que o investigador José Vilaça começou a preparar sessões para «ajudar a aumentar a performance e diminuir o risco de lesões».
«O treino é uma arte. Contudo, como me disse uma vez o professor Estélio Dantas, “Ciência sem prática é demagogia e prática sem Ciência é lotaria”. Assim, todo o treino tem que ter como base a ciência. Desta forma, aplicou-se o treino de força tendo em conta o conhecimento científico, em relação à manipulação das variáveis do treino e consequente volume e intensidade que elas proporcionavam, com a expectativa que o resultado fosse o pretendido», sublinha.
Em estreita colaboração com a treinadora principal e com o atleta, foram definidos os objectivos e o tempo para treinar, realizou-se uma anamnese para conhecer o estado de saúde e particularidades físicas, fisiológicas e psicológicas do atleta, identificaram-se os recursos logísticos disponíveis para efectuar este tipo de treino e a possibilidade de adaptar esses recursos à condição de se tratar de um utilizador de cadeiras de rodas e efectuou-se uma avaliação inicial em termos de mobilidade, disponibilidade de gerar tensão e em todos os movimentos disponíveis. Na posse de todos esses indicadores, o investigador do CIDESD prescreveu o plano de treinos.
No final dos treinos bissemanais (com intervalos mínimos de 48 horas), era pedido ao atleta que fornecesse informações sobre a sua percepção do treino, possíveis desconfortos, cargas utilizadas e, tendo em conta essas informações, era feito o ajuste, se necessário, ao plano traçado. «Como a própria ciência identifica, existe uma necessidade de adaptação do planeamento tendo em conta a resposta individual do atleta. Como realizo e tenho acesso a muita investigação científica que se efectua sobre treino de força, permitiu tomar decisões (arte) com menos incerteza sobre o processo de treino», conclui José Vilaça.
Tiago Barbosa: «Existe uma forte transferência das análises biomecânicas para a prova»
É também de longa data a ligação dos investigadores Tiago Barbosa e Pedro Forte ao percurso do atleta. Desde 2013, têm sido responsáveis pela análise do desempenho em prova e avaliações biomecânicas experimentais em contexto de treino, sessões específicas para avaliações, modelações in sillicon e com recurso a diversos procedimentos analíticos.
«O trabalho realizado do ponto de vista biomecânico tem em vista uma translação directa para o desempenho em contexto competitivo. Portanto, existe uma forte transferência das análises biomecânicas para a prova», afirma Tiago Barbosa.
Feita a avaliação de tempos parciais e da cinemática, os investigadores construíram uma extensa base de dados que lhes permitiu «criar um perfil de prova que teoricamente será optimizado para a sua prestação». «Foi submetido um trabalho sobre este assunto para apresentação no ICCE Global Coach Conference 2021, mas focando-se no ciclo olímpico 2013-2016. Estas avaliações também nos permitem comparar o nosso sprinter com outros competidores directos no sentido de identificar pontos fortes e pontos onde há margem para progressão», referem.
As análises experimentais em contexto de treino e de sessões específicas de avaliação têm sido importantes para «tomar algumas decisões», por exemplo, em relação ao tamanho dos puxadores que permitiam uma melhor optimização na velocidade máxima e na aceleração atingida, em função da prova-tipo.
Também não foi descurada a escolha de materiais e componentes da cadeira, por forma a «minimizarem o aumento da massa do sistema sem afectar a prestação». «Fizeram-se estimativas de qual seria o ganho em termos de tempo final de prova se cada uma das opções para cada componente fosse utilizada. Outro caso foi a determinação se deveriam ser usadas rodas de aros ou de disco. Para além de análises aerodinâmicas, os ganhos em termos de massa e, portanto, no tempo final da prova também foram devidamente ponderados», explica o investigador Pedro Forte.
Foram ainda realizadas avaliações experimentais no âmbito aerodinâmico para determinar o efeito da postura corporal, muito particularmente da posição da cabeça. «Sabe-se que existe uma relação entre a massa do sistema atleta-cadeira e o tempo final de prova», frisa.
Paralelamente, foram feitas diversas análises com base na dinâmica computacional de fluidos para perceber qual o arrasto, a potência mecânica e o custo energético em cada uma das principais fases do ciclo da puxada do atleta. «Com base na dinâmica computacional de fluidos, obtiveram-se os valores de arrasto que depois foram utilizados para derivar as restantes variáveis biomecânicas e ter um melhor entendimento em que fases do ciclo o paratleta teria maiores margens de progressão», explicam.
Face ao trabalho realizado ao longo destes anos, os investigadores Pedro Forte e Tiago Barbosa esperam que Mário Trindade consiga «mais uma vez ter uma prestação de sucesso nos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020 que vão ter lugar de 24 de Agosto a 5 de Setembro de 2021».
Na crista da onda da inclusão
Deslizar sobre a água em cima de uma prancha pode também ser sinónimo de inclusão e acessibilidade para pessoas com deficiências motoras e/ou sensoriais. É esse o princípio que norteia o projecto europeu INCLUSEA, onde participa a investigadora Helena Moreira.
«O projecto procura promover a inclusão social e a acessibilidade de pessoas com deficiências físicas e/ou sensoriais a “espaços azuis” costeiros para fins competitivos, recreativos e/ou terapêuticos, através da prática de Surf, encorajando iguais oportunidades para a prática da modalidade», explica.
Até meados de 2023, o consórcio de sete instituições europeias pretende promover a igualdade de oportunidades na prática do surf, através do desenvolvimento de uma metodologia inovadora de ensino.
«Ambiciona-se o estabelecimento de um padrão comum que permita a estas pessoas a aquisição das competências necessárias à prática da modalidade, com garantias de segurança, promoção e sustentabilidade», sublinha Helena Moreira.
As bases para essa metodologia comum de ensino do surf assentam no contacto directo com instituições e escolas ligadas ao ensino de surf e na análise das publicações científicas que têm sido desenvolvidas nos últimos anos. No imediato, Helena Moreira e o colega Ronaldo Gabriel estão a colaborar com o Centro de Alto Rendimento de Surf de Viana do Castelo, no trabalho desenvolvido com a campeã europeia de surf adaptado, Marta Paço.